Irecê nas telas globais e o reconhecimento cultural

As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do Irecê Notícias. Os conteúdos apresentados na seção de Opinião são pessoais e podem abordar uma variedade de pontos de vista.

Na presente semana, o famoso portal de Hugo Gloss revelou a lista de participantes do reality show Drag Race Brasil, com a artista ireceense Desirée Beck, uma drag queen talentosíssima que fará parte do programa semanalmente na plataforma WOW+ a partir de 10 de julho deste ano. Contudo, essa não é a primeira vez que a artista participa de um reality show de alcance nacional (e internacional). Desirée foi finalista do Caravana das Drags, apresentado pela lendária Xuxa Meneghel e pela também drag queen Ikaro Kadoshi, transmitido pela Prime Video — o serviço de streaming da Amazon. Apesar desse trajetória de sucesso, surge uma pergunta inevitável: será que estamos reconhecendo devidamente os artistas ireceenses que brilham além das fronteiras locais?

Há algo quase poético na maneira como o mundo parece se ajustar para revelar contradições que insistimos em seguir fazendo. Desiree Beck, não apenas trouxe seu talento ao Drag Race Brasil, mas também carregou consigo um pouco da essência dessa terra do interior baiano — uma mistura de resiliência, cor e criatividade que, paradoxalmente, muitos ainda teimam em não reconhecer como parte de seu próprio retrato. Sua trajetória poderia ser um convite à reflexão: afinal, o que nos impede de ver em um artista local não apenas um representante da cidade, mas um espelho de suas potencialidades?

A arte drag, por sua própria natureza, desafia categorias e desconstrói hierarquias. Quando Desirée se apresenta diante de um público nacional, ela não apenas interpreta personagens — está, de certa forma, traduzindo para um palco maior a capacidade de reinvenção que o Nordeste carrega há séculos. Afinal, não é isso o que fazem as pessoas que saem de Irecê em busca de oportunidades maiores em seus setores? Não é isso o que fazem os artistas locais que transformam materiais simples em obras de resistência? Talvez a dificuldade em abraçar esse tipo de expressão não esteja na arte em si, mas em nosso desconforto com o que ela revela: a necessidade de expandir nossas próprias definições de sucesso e pertencimento.

Ainda assim, há quem prefira reduzir sua participação a um mero entretenimento efêmero, como se a visibilidade que ela conquista não tivesse o poder de iluminar caminhos trilhados por tantos jovens da região. Que ironia pensar que, enquanto muitos reclamam da falta de políticas públicas para a juventude LGBTQIAPN+, uma artista de Irecê está aí, provando que a coragem de existir pode ser tão transformadora quanto qualquer projeto governamental. Se não há motivos para torcer por alguém que carrega seu berço nos ombros, talvez seja hora de perguntar: o que nos torna tão relutantes em celebrar o que nasce entre nós?

E quando se fala em visibilidade, Irecê talvez tenha um aprendizado urgente a receber. Cidades pequenas costumam carregar um paradoxo: querem ser lembradas por suas tradições, mas resistem às novas formas de expressão que dão vida a elas. Desiree Beck, ao levar seu nome ao cenário nacional, abriu uma janela para que o mundo veja Irecê não apenas como um ponto no mapa, mas como berço de uma cultura que ousa ser plural. Resta saber se a cidade está disposta a aceitar esse presente — ou se preferirá continuar fechada a tudo o que não se encaixa em moldes já desgastados.

No fim, a arte de Desiree Beck não é apenas uma performance. É um convite para que Irecê olhe para si mesma sem medo de reconhecer suas sombras e suas luzes. E se, por acaso, ainda há quem duvide do valor disso, talvez seja porque nunca parou para pensar que, às vezes, o maior orgulho de uma cidade não está em seus muros, mas em quem ousa ultrapassá-los.

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